Patronato não suporta processo democrático
Não há dúvidas de que as responsabilidades pelo resultado frustrante da I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente (CNETD), realizada na semana passada em Brasília (DF), podem ser atribuídas, em alguma medida, a todos os setores envolvidos: representantes do governo (30%), dos empregadores (30%), dos trabalhadores (30%) e da sociedade civil (10%). Descrito em detalhes em post publicado no Blog do Sakamoto, o desfecho melancólico da iniciativa, que mobilizou milhares de cidadãs e cidadãos brasileiros em suas diferentes etapas, foi marcado pelo insucesso em seu propósito central: legitimar uma política nacional com vistas a práticas mais igualitárias, qualificadas e inclusivas de trabalho.
O comportamento patronal foi, porém, especialmente sintomático do desrespeito ao exercício democrático que permeia a conferência. Os empregadores participaram ativamente desde o início da construção e pactuação dos princípios e regras do processo, que tomou como referência a agenda de trabalho decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O que se viu durante a derradeira fase nacional (8 a 11 de agosto), no entanto, foi uma sucessão de manobras e apelações por parte dos empregadores. Logo na abertura do evento, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, deu o tom da participação do bloco ao condenar os "excessos na legislação [trabalhista] rigorosa, que busca conferir alto grau de proteção a quem tem carteira assinada". Na esteira dos seguidos anos de crescimento econômico - que propiciaram a ascensão de camadas sociais, mas também mantiveram desigualdades -, tal discurso de "direitos em demasia" dos patrões não convence as outras partes da sociedade.
Aberta a programação, a tática da bancada dos empregadores no primeiro dia de discussões (9), nos 12 grupos temáticos, se baseou em duas linhas principais. De uma parte, compareceram em peso com seus delegados (que eram, em sua maioria absoluta, empregados de entidades ligadas ao patronato) para garantir ao menos 30% nas votações de seu interesse, índice suficiente para levar as propostas dos empregadores ao plenário final. De outra, tentaram imputar o peso e as obrigações pelo cumprimento das metas ao entes governamentais e evitaram ser, eles próprios, "enquadrados".
No grupo temático IV (que tratou do combate ao trabalho infantil, ao trabalho escravo e às políticas voltadas aos migrantes), por exemplo, essa última tática se materializou com a tentativa recorrente de incluir o termo "público" ou "pública", sempre que possível, nos textos das proposições.
No caso mais específico do trabalho escravo, também tentaram incluir a condicional de dar maior visibilidade à lista de empresas envolvidas em casos de escravidão apenas nas situações de processos judiciais transitados em julgado, tentando desprestigiar instrumentos internacionalmente reconhecidos como centrais para o combate ao crime como a "lista suja".
A despeito das confusões ocorridas no dia inicial, a representação empregadora retornou normalmente no segundo dia (10) para o debate nos eixos (que aglutinavam grupos temáticos). Ainda pelo período da manhã, os resultados das deliberações nos eixos - apesar de ainda manter a sobrevivência das propostas com pelo menos 30% do apoio - serviram para confirmar o que a bancada dos patrões temia: na plenária final, em que seria necessária a aprovação de maioria simples, nenhuma de suas propostas prosperaria. Mais: todas as outras que iam de encontro aos interesses empresariais teriam plena condição de ser aprovada pela sintonia maior existente entre os outros três blocos: governo (que, diga-se, não se resumia à esfera federal, mas também a administrações etaduais e municipais), trabalhadores e sociedade civil.
No intervalo para o almoço, as lideranças dos empregadores se reuniram e decidiram, de forma unilateral, suspender a sua participação. Marcaram, então, uma reunião com o titular do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Brizola Neto, para manifetar as suas insatisfações - muitas delas baseadas em interpretações convenientes e oportunistas que, em nenhum momento, foram colocadas publicamente ao conjunto das delegadas e dos delegados, "parceiros" dos patronato no esforço de diálogo social. Valendo-se da ameaça de se retirar e desmontar o fundamento "tripartite", conseguiu "melar" a programação em curso, desvalorizando o processo democrático.
O descaso foi tamanho que nenhuma das principais entidades patronais - particularmente a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) - sequer apresentaram publicamente os motivos para a postura de "tapetão" que assumiram enquanto o jogo já estava sendo jogado. Desacostumados a ter de convencer o conjunto da sociedade de que dispõe das melhores propostas para o país, os empregadores foram logo correndo para defender seus interesses junto ao primeiro escalão do governo federal, abandonando tudo o que havia sido construído coletivamente até aquele momento. Quando teve certeza de que as suas ambições não encontravam ressonância alguma nos outros três campos (governos, trabalhadores e membros da sociedade civil), a bancada dos empregadores reproduziu a típica conduta de cunho elitista e "apelou" para a condição de classe diferenciada, segundo a qual eles próprios estariam acima dos demais.
É evidente que a conivência dos outros intercolutores - que acabaram aceitando a proposta questionável de formação de um petit comité de 20 "iluminados" (seis de cada uma das três bancadas principais e dois das entidades civis) para definir os itens da plenária final, que se dedicou fundamentalmente a confirmar consensos (sob protesto da delegação patronal, que nem assim concordou em participar da fase final) - contribuiu em muito para o insucesso da I CNETD. Mas seja qual for a argumentação dos empregadores, o que sobressaiu em mais este capítulo da história nacional foi a total incapacidade do patronato de conviver com processos ativos de democracia, aceitando deliberações coletivas, fundadas na soberania popular.
Fonte: Repórter Brasil
O comportamento patronal foi, porém, especialmente sintomático do desrespeito ao exercício democrático que permeia a conferência. Os empregadores participaram ativamente desde o início da construção e pactuação dos princípios e regras do processo, que tomou como referência a agenda de trabalho decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O que se viu durante a derradeira fase nacional (8 a 11 de agosto), no entanto, foi uma sucessão de manobras e apelações por parte dos empregadores. Logo na abertura do evento, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, deu o tom da participação do bloco ao condenar os "excessos na legislação [trabalhista] rigorosa, que busca conferir alto grau de proteção a quem tem carteira assinada". Na esteira dos seguidos anos de crescimento econômico - que propiciaram a ascensão de camadas sociais, mas também mantiveram desigualdades -, tal discurso de "direitos em demasia" dos patrões não convence as outras partes da sociedade.
Aberta a programação, a tática da bancada dos empregadores no primeiro dia de discussões (9), nos 12 grupos temáticos, se baseou em duas linhas principais. De uma parte, compareceram em peso com seus delegados (que eram, em sua maioria absoluta, empregados de entidades ligadas ao patronato) para garantir ao menos 30% nas votações de seu interesse, índice suficiente para levar as propostas dos empregadores ao plenário final. De outra, tentaram imputar o peso e as obrigações pelo cumprimento das metas ao entes governamentais e evitaram ser, eles próprios, "enquadrados".
No grupo temático IV (que tratou do combate ao trabalho infantil, ao trabalho escravo e às políticas voltadas aos migrantes), por exemplo, essa última tática se materializou com a tentativa recorrente de incluir o termo "público" ou "pública", sempre que possível, nos textos das proposições.
No caso mais específico do trabalho escravo, também tentaram incluir a condicional de dar maior visibilidade à lista de empresas envolvidas em casos de escravidão apenas nas situações de processos judiciais transitados em julgado, tentando desprestigiar instrumentos internacionalmente reconhecidos como centrais para o combate ao crime como a "lista suja".
A despeito das confusões ocorridas no dia inicial, a representação empregadora retornou normalmente no segundo dia (10) para o debate nos eixos (que aglutinavam grupos temáticos). Ainda pelo período da manhã, os resultados das deliberações nos eixos - apesar de ainda manter a sobrevivência das propostas com pelo menos 30% do apoio - serviram para confirmar o que a bancada dos patrões temia: na plenária final, em que seria necessária a aprovação de maioria simples, nenhuma de suas propostas prosperaria. Mais: todas as outras que iam de encontro aos interesses empresariais teriam plena condição de ser aprovada pela sintonia maior existente entre os outros três blocos: governo (que, diga-se, não se resumia à esfera federal, mas também a administrações etaduais e municipais), trabalhadores e sociedade civil.
No intervalo para o almoço, as lideranças dos empregadores se reuniram e decidiram, de forma unilateral, suspender a sua participação. Marcaram, então, uma reunião com o titular do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Brizola Neto, para manifetar as suas insatisfações - muitas delas baseadas em interpretações convenientes e oportunistas que, em nenhum momento, foram colocadas publicamente ao conjunto das delegadas e dos delegados, "parceiros" dos patronato no esforço de diálogo social. Valendo-se da ameaça de se retirar e desmontar o fundamento "tripartite", conseguiu "melar" a programação em curso, desvalorizando o processo democrático.
O descaso foi tamanho que nenhuma das principais entidades patronais - particularmente a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) - sequer apresentaram publicamente os motivos para a postura de "tapetão" que assumiram enquanto o jogo já estava sendo jogado. Desacostumados a ter de convencer o conjunto da sociedade de que dispõe das melhores propostas para o país, os empregadores foram logo correndo para defender seus interesses junto ao primeiro escalão do governo federal, abandonando tudo o que havia sido construído coletivamente até aquele momento. Quando teve certeza de que as suas ambições não encontravam ressonância alguma nos outros três campos (governos, trabalhadores e membros da sociedade civil), a bancada dos empregadores reproduziu a típica conduta de cunho elitista e "apelou" para a condição de classe diferenciada, segundo a qual eles próprios estariam acima dos demais.
É evidente que a conivência dos outros intercolutores - que acabaram aceitando a proposta questionável de formação de um petit comité de 20 "iluminados" (seis de cada uma das três bancadas principais e dois das entidades civis) para definir os itens da plenária final, que se dedicou fundamentalmente a confirmar consensos (sob protesto da delegação patronal, que nem assim concordou em participar da fase final) - contribuiu em muito para o insucesso da I CNETD. Mas seja qual for a argumentação dos empregadores, o que sobressaiu em mais este capítulo da história nacional foi a total incapacidade do patronato de conviver com processos ativos de democracia, aceitando deliberações coletivas, fundadas na soberania popular.
Fonte: Repórter Brasil