Fundo soberano é visto como inoportuno
Depois de dois meses de discussão, o governo federal deve enviar hoje ao Congresso Nacional a proposta de criação do Fundo Soberano do Brasil (FSB), uma espécie de poupança que servirá para financiar empresas brasileiras no exterior a juros baixos e, indiretamente, limitar o avanço da inflação doméstica. Apesar dos benefícios esperados – principalmente o controle dos preços, que têm avançado com força em vários setores da economia –, economistas ouvidos pela Gazeta do Povo classificam o projeto de inoportuno. Ele até seria elogiável, desde que o país tivesse superávit nominal (ou seja, que conseguisse pagar todos os juros da dívida pública) e não estivesse assistindo a uma deterioração de suas contas externas.
Atualmente, União, estados e municípios já têm como meta economizar o equivalente a 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), a fim de pagar os juros da dívida – essa economia é o chamado “superávit primário”. Para alimentar o FSB, o governo pretende economizar outro 0,5% do PIB, algo próximo de R$ 14,2 bilhões, disse ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega. “No ano que vem, se a economia crescer a uma taxa mais elevada, guardaremos mais recursos no fundo”, anunciou Mantega, em audiência na Comissão de Tributação e Finanças da Câmara. “No ano em que você tem uma arrecadação maior, você guarda os recursos nesse fundo. No ano de vacas magras, você pega esse recurso e recoloca no caixa do Tesouro, e o governo pode usá-lo para investimentos, gastos ou para garantir que o superávit primário seja atingido.”
A idéia de limitar os gastos públicos é bem-vinda, pois, com menos dinheiro circulando na economia nacional, as pressões inflacionárias tendem a ser menores. No entanto, especialistas defendem que o governo deveria, em primeiro lugar, preocupar-se em pagar os juros da dívida pública – que vêm crescendo desde abril, quando o BC começou a elevou a taxa básica (Selic), atualmente em 12,25% ao ano. Fundos soberanos são tidos como adequados para países que têm abundância de reservas e não vêem sua dívida pública crescer ano a ano – o que não é o caso do Brasil, que, mesmo usando o superávit primário, não consegue pagar todos os juros da dívida. Além disso, pela primeira vez na gestão do presidente Lula, o país deve encerrar o ano com saldo negativo em suas transações com o exterior.
“Nós não somos a China, que tem saldo positivo nas transações há vários anos e recursos em abundância. Não temos um superávit sustentável para pensar em fundo soberano”, lembra Luciano Nakabashi, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná. De janeiro a maio, o saldo das transações correntes – diferença entre o dinheiro que entrou e o que saiu do país – ficou negativo em US$ 14,7 bilhões, em função do forte aumento das importações e das remessas de recursos para o exterior.
“Até o fim do ano, projetamos um saldo negativo de US$ 30,2 bilhões, que representará o primeiro déficit nesse quesito desde 2002”, diz a economista Fernanda Feil, da consultoria Rosenberg & Associados. “O viés seria outro caso tivéssemos uma situação muito diferente em termos fiscais e de contas externas.”
Para Giuliano Contento de Oliveira, professor do Instituto de Economia da Unicamp, aplicar dinheiro do fundo soberano no exterior é desvantajoso. “O rendimento das aplicações dificilmente será maior que o da Selic, taxa que reajusta a dívida pública. Isso significa que, do ponto de vista financeiro, pagar a dívida compensa mais.”
Mas, para Oliveira, se no futuro o país conseguir melhorar suas finanças, o FSB poderá ser uma boa idéia, por estimular a internacionalização das empresas brasileiras. “Hoje grandes grupos, como a Vale, já conseguem financiamento a juro baixo no exterior, mas empresas menores, não. E, depois de contornadas as dificuldades com a inflação, o governo pode usar o fundo para comprar dólares e limitar a valorização do real, que prejudica os exportadores.”
Fonte: Gazeta do Povo